“Quando
é que urucum dá?”
1
“Era
só o que me faltava”, pensou Tião, tentando proteger o cocuruto
com a mão que lhe restava. A vaca vestida de cisne negro fora só o
começo: enquanto a pobre ruminante mugia de dor depois de se
estatelar no chão de terra batida do Poço das Almas Suicidas,
centenas de oitras cousas totalmente desconexas choviam do teto e
deixavam todo mundo em pânico. Um zepelim de chumbo esmagou Marina
Gulosa de Fátima; uma pança de mamute arrancou um naco da
panturrilha de Jeová; um sósia do Galeão Cumbica passou raspando
perto de Tião. “O que tá acontecendo?!”, gritava ele,
estupefato. “É um Brainstorm! Salve-se quem puder!”, berrou
Jeová, antes de ser atingido na fuça por um frasco de Emulsão
Scott. Em meio ao caos, Tião tentava identificar se havia chovido
algo que lhe pudesse ser útil. Seu olhar se deteve em um embrulho
bem bonito, com papel bonina e laço cor de marmelo. Mas ele reparou
que lá longe, também trazida pela súbita tempestade, havia uma
moça simpática em cuja blusa se lia: “posso ajudar?”
Se
você acha que Tião deve abrir o embrulho, vá para 2.
Se
acha que ele deve pedir ajuda à moça simpática, vá para 3.
2
Tião pegou o embrulho
com desconfiança. Chacoalhou a caixa perto do ouvido, como uma
criança tentando adivinhar se ganhou de aniversário um carrinho
irado ou um frustrante pacote de meias. Desfez o laço cor de marmelo
cautelosamente, rasgou o papel bonina ainda cabreiro e abriu a caixa
esperando uma bomba explodir na sua cara. Mas dentro havia apenas um
telefone celular. Ele retirou o aparelho da caixa e resolveu ligar
para o número pintado no barco com o qual chegara ali. Objetos
aleatórios continuavam caindo por todos os lados e ele chegou a ser
atingido por um saco de cimento, mas, tal qual na célebre anedota
que costumava preocupar os incautos antes de tranquilizá-los com a
inevitável punch line, o saco estava vazio. O telefone chamou
algumas vezes até que Tião ouviu uma voz malandra do outro lado:
“Alôu! Você ligou para Djavan Faz Frete, mas no momento estou
soltando um barro, tomando pinga ou pegando umas barangas. Se quiser
deixar recado, vai na fé. BIIIIP”.
Se
acha que Tião deve deixar recado pedindo socorro, vá para 4.
Se
acha que ele deve gravar um trote, vá para 6.
3
“Olá”, disse a
moça, abrindo um sorrisão autêntico que encheu de esperança o
coraçãozinho angustiado de Tião. “Como é que eu faço pra sair
daqui?”, perguntou ele. A moça fechou o sorriso de boas-vindas e
abriu outro, condescendente, como se a resposta fosse mais óbvia que
embalagem de xampu instruindo a enxaguar após o uso. E apontou para
uma parede ao lado de Tião: “É por ali”. Lá estava uma porta
com uma plaquinha luminosa que piscava: SAÍDA DE EMERGÊNCIA. Ele
correu depressa até a saída, escapando por pouco de levar na cabeça
uma tauba de tiro ao álvaro e uma peixeira de baiano. Já estava com
a mão na maçaneta quando ouviu uma voz roufenha e moribunda:
“Tiããããão...” Era Jeová, ferido em meio aos destroços da
tempestade.
Se
acha que Tião deve abrir a porta e sair logo dali, vá para 5.
Se
acha que ele deve voltar e ajudar Jeová, vá para 7.
4
“Alô, seu Djavan! Se
puder mandar ajuda aqui pro Poço das Almas Suicidas, eu te pago um
sanduíche de mortadela assim que reencarnar!”, gravou Tião na
secretária eletrônica. Desligou e exalou um suspiro desesperançoso.
Ao seu redor o bicho pegava: Marlúcia fora esmagada por uma bigorna
feita de mussarela de búfala e Juraci havia sido atingido(a) no olho
por uma batuta de maestro (Nota do autor: eu nunca sei se Juraci é
nome de homem ou de mulher). Tião tinha que pensar rápido: pra
quem mais ele podia ligar? O único número que sabia de cor era o da
Telepizza Zangabeiras. O que vinha bem a calhar, já que toda essa
confusão lhe dera uma fome danada e ele não tinha tempo de fazer
churrasco com a vaca vestida de cisne negro. Mas aí outro número
pipocou em sua mente: o da Besta. Será que estava tão desesperado
assim para tentar negociar com a Capetona?
Para
ligar para a Diaba, vá para 15.
Para
discar o número da Telepizza Zangabeiras, vá para 11.
5
Tião abriu a porta e
deu de cara com um ambiente familiar: estava novamente nas ruas do
inferno, cercado por almas penadas que caminhavam, papeavam e pegavam
fogo. Respirou aliviado por se ver livre das agruras do Poço das
Almas Suicidas e de volta à estaca zero, em busca de um jeito de
retornar à vida. Sentia saudades do mundo terreno. Lembrava da
corcova de Natasha, da língua presa de seu pai, do cheirinho de
plutônio das ruas de Pripyat. Pensava no enigmático pacote que sua
prima Pavlova havia deixado na Ucrânia: sentia que ali havia uma
peça importante de seu puzzle existencial, de seu sudoku metafísico.
Precisava estar vivo novamente, e precisava que descobrir como. Ele
vagou pelas quebradas do inferno, lendo as placas e observando o
movimento. Uma longa fila lhe chamou a atenção: ela dava a volta no
quarteirão, virava à direita e depois à esquerda, subia pela Rua
dos Bobos bem pra lá do número zero e terminava num ziguezague
zonzo, formando um desenho de quem tomou pau no psicotécnico quando
vista nas imagens de satélite do Google Hell. “Que fila é essa?”,
perguntou Tião a uma senhorinha cansada. E como que num milagre –
ou num recurso narrativo assaz conveniente – ela respondeu: “É a
fila pra reencarnar, meu filho”.
Para
enfrentar a fila quilométrica, vá para 21.
Para
furar fila e entrar lá na frente, vá para 24.
6
“Parabéns! Você
acaba de ganhar... um milhão de reais!”, disse Tião ao telefone,
esbanjando empolgação. Já que toda a lógica parecia ter mesmo ido
pro brejo, que mal havia em se divertir um pouco? “Para receber o
grande prêmio, você só precisa responder a uma última pergunta!
Quando é que urucum dá?” Para sua surpresa, a voz malandra da
gravação irrompeu ao vivo, gritando: “De setembro a dezembro,
cerca de 130 dias depois da abertura da flor!” Tião ficou sem
reação com a resposta certeira do sujeito e só conseguiu dizer: “É
o Djavan?” “Djavan é o nome do barco, chefia. Meu nome é
Vercilo. Quando é que eu recebo meu prêmio? Tô com três
mensalidades atrasadas no puteiro.” “Vem aqui pro Poço das Almas
Suicidas”, respondeu Tião, “e eu te entrego depois que você me
tirar daqui”.
Vá
para 14.
7
Jeová estava um caco,
esparramado pelo chão como uma batatinha quando nasce. Havia sido
atingido no pâncreas por uma volumosa edição de Guerra & Paz
para míopes e falava com dificuldade. Tião se ajoelhou perto dele e
ouviu: “Tiããããão... ponha a mão no meu bolso, Tiããããão...”
Ele obedeceu e encontrou ali uma coisa rígida e maciça. Era um
smartphone. “Ligue para o número do barco e salve-se, amigo Tião”,
disse Jeová antes de virar pro lado e deixar escapar seu último
suspiro. Sua alma escorregou para fora do corpo e deslizou até cair
no Rio das Almas, onde ficaria boiando durante toda a eternidade,
como sempre acontece com quem tem a infelicidade de morrer depois de
morto. Tião tentou encontrar a saída de emergência que quase
chegara a abrir, mas tanto ela quanto a moça com a camisa de “posso
ajudar?” haviam desaparecido no meio da balbúrdia. Só lhe restava
ligar para o número apagado na lateral do navio chamado Djavan. Mas
quando tentou, deparou-se com uma mensagem de caixa postal.
Para
deixar recado pedindo socorro, vá para 4.
Para
desligar e jogar joguinho no celular, vá para 10.
8
“Edvanir!”, Tião
chamou a fogosa réptil. Ela não ouviu: continuava pulando com os
bracinhos levantados, as asonas de fora, o suor percorrendo as
escamas. Tião chegou mais perto e notou que ela berrava a plenos
pulmões: “Encontrei Jesus! Encontrei Jesus!” Teve que cutucá-la
com o cotoco (“cotocá-la”?) três vezes até ela se virar.
“Tião!”, exclamou a dragona, sem parar de pular. “Que surpresa
te encontrar aqui! Vem louvar o Senhor comigo! Na casa do Senhor não
existe Satanás!” Não adiantou tentar convencê-la a ir embora com
ele: contra todas as probabilidades, a criatura do mal
recém-convertida ao cristianismo tinha se encontrado no Vale da
Micareta Eterna. “Xô, Satanás! Xô, Satanás!”, ela voltou a
cantar, sacudindo a cauda pontuda na cara de Tião. Dez minutos
depois, ele estava de volta ao barco Djavan. “Simbora daqui,
Vercilo.”
Vá
para 22.
9
Vercilo chegou gingando
e cumprimentou Tião com um high-five: “E aí, brou! Cadê
minha grana?” Tião desconversou, disse que o dinheiro estava
enterrado atrás da montanha azul, e que pra chegar até lá
precisava de uma carona zero-oitocentos. Vercilo, que era um cara de
boaça, topou o arranjo. Subiram no convés do barco Djavan,
adentraram a salinha do capitão e Vercilo disse: “Quer sentar
onde, chefia? Direita ou esquerda?” A pergunta parecia simples, mas
Tião se viu indeciso.
Se
acha que Tião deve sentar-se à direita, vá para 20.
Se
prefere a esquerda, vá para 17.
10
“Quer saber?”,
pensou Tião. “Que se foda. Eu vou é jogar Angry Birds.”
Equilibrou o aparelho sobre o cotoco e danou a estilingar passarinho
como se não houvesse amanhã. Mas não importava o quão certeira
fosse sua pontaria: ele foi perdendo uma partida atrás da outra e se
aproximava de um game over. “Deseja ganhar mais uma vida?”,
perguntou o jogo ao final de outra derrota. Tião clicou em “Sim”
e começou a experimentar uma sensação esquisita. O cotoco
formigava, as pernas tremiam, a cabeça chacoalhava. Olhou para seu
corpo e percebeu que estava desaparecendo aos pouquinhos. Foi aí que
entendeu porque Jeová lhe dera aquele aparelho e porque sentira a
súbita vontade de jogar um game: ele tinha ganhado uma nova vida e
estava voltando ao mundo terreno!
Vá
para 25.
11
“Telepizza
Zangabeiras, pertinho de ti”, atendeu o atencioso atendente. Tião
pediu uma pizza de arroz com ovo, uma de sushi com caramelo, um
calzone de frango com sabão e uma Fanta Chorume. “É pra já,
senhor. Para onde devo mandar?” “Pro inferno”, respondeu Tião,
mas aí o atendente achou que era trote e desligou. O rango que
esperasse: uma voz malemolente veio logo em seguida: “Você que é
o Tião?” Era um sujeito de cabelo raspadinho, estilo Ronaldinho.
“Mr. Djavan, I presume”, disse Tião. “Não, chefia.
Djavan é o nome do barco. Meu nome é Zoli, mas todos me chamam de
Vercilo. Simbora dessa joça?”
Vá
para 20.
12
Tião desceu do barco,
passou por debaixo de uma cordinha e adentrou o temível Vale da
Micareta Eterna. O cenário era desolador. Milhares de almas sofridas
eram obrigadas a pular que nem pipoca, levantando poeira e tomando o
cuidado de segurar o tchan. De cima de um trio elétrico, criaturas
amedrontavam a multidão: uma se dizia crocodilo e prometia devorar a
todos; outra ameaçava invadir seu mundo, beber de sua água e outras
barbáries. Tião passou por um farol apagado e um moinho abandonado
até finalmente avistar, no meio da muvuca, sua escamosa amiga. Ela
estava com os bracinhos levantados em direção ao trio elétrico –
provavelmente insultando os seres que atormentavam a massa, pensou
Tião. Estava indo falar com ela quando foi abordado por um sujeito
de capuz. “Tá afim de um barato?”, perguntou ele.
Para
ouvir o cara, vá para 18.
Para
ignorá-lo e ir chamar a dragona, vá para 8.
13
“Sai daqui, velha
escrota”, disse Tião, mandando às favas toda a educação
exemplar que havia recebido no colégio interno de Kiev. A pobre
senhorinha com problemas dermatológicos saiu choramingando e a moça
do guichê reapareceu pouco depois, para alívio de Tião. “Próximo!”
Ele avançou com gana: “Eu gostaria de reencarn--” “Preencha
este formulário”, interrompeu ela, entregando-lhe um calhamaço
com noventa e sete páginas. “Carimbe em três vias, anexe uma
cópia de sua certidão de óbito e volte daqui a trinta dias.
Próximo!” Tião quase babou de desespero. “Não tem nada aí que
seja mais rápido?”, disse, recebendo um olhar quase sádico como
resposta.
Vá
para 23.
14
Enquanto aguardava a
chegada de Vercilo, Tião reparou no mar de destruição causado pela
tempestade randômica. Jeová tinha perdido a perna após ser
atingido por um boneco do Fofão com faca dentro, a vaca vestida de
cisne negro morrera depois de ser alvejada por um ornitorrinco de
burca, e a moça com a camisa de “posso ajudar?” virara mingau ao
ser acertada por uma gorda com uma blusa escrito “precisa me amar”.
Ficar ali, esperando de bobeira, parecia cada vez mais arriscado.
Tião notou que uma porta de sucupira, adornada por adornos
adornantes, também havia despencado do teto e estava de pé,
escorada numa parede. Achou aquilo muito estranho, mas igualmente
tentador.
Para
abrir a porta, vá para 5.
Para
continuar esperando Vercilo, vá para 9.
15
Tião discou 666 e
ouviu uma voz robótica, gravada especialmente pelo Stephen Hawking a
pedido da Capeta: “Tecle 1 se deseja continuar na linha. Tecle 2 se
deseja ouvir a primeira mensagem novamente. Tecle 3 seguido de
asterisco se deseja ouvir Lelek Lek em looping durante duas horas.
Tecle 4, faça um oito com a mão e um zero com o pé se não
deseja ouvir Lelek Lek em looping durante duas horas. Tecle 5, ponha
a mão no joelho e dê uma abaixadinha se deseja...” Tião estava
prestes a perder as esperanças quando a voz robótica informou:
“Para falar com Vossa Capetência, basta dizer seu nome e a cidade
de onde está falando”. “Tião Moskovsky, Poço das Almas
Suicidas”, obedeceu Tião, sem a pretensão de enganar ninguém.
“Bonjour, Tião”, respondeu a voz inconfundível da
Chavelhuda. “Não agüentou um dia e já tá pedindo arrego?” “Eu
preciso sair daqui, dona Diaba. Tenho assuntos a resolver lá em
cima. Eu faço o que a senhora quiser, mas me tira desse lugar.”
Podia-se ouvir o sorriso da Coisa-Ruim do outro lado da linha: “Pois
que coincidência. Tenho uma proposta pra você bem aqui nas minhas
mãos.” Tião tremeu nas bases. Fazer negócios com o capeta pelo
telefone era mais arriscado do que pegar mulher na Tailândia sem ver
radiografia do útero, mas que escolha ele tinha? “Estou disposto a
ouvir”, balbuciou, antes de ser engolfado por uma nuvem úmida de
gelo seco. Quando a névoa se dissipou, Tião estava de frente a uma
sorridente Diabona.
Vá
para 19.
16
“Vai pra peida,
Satanásia”, disse Tião, devolvendo a folha em branco. A Diaba
fechou a cara como se tivesse acabado de ser chamada de gorda. “Como
queira, senhor Moskovsky”, disse seriamente, e desapareceu numa
nuvenzinha de enxofre com Chanel número 5. Tião sentiu um calor
súbito e viu que chamas flamejantes pegavam fogo em alta temperatura
por todos os lados, cada vez mais perto, cada vez mais quentes.
Primeiro elas atingiram seus pés, chamuscando a unha encravada no
dedão esquerdo e os pêlos do peito do pé direito; subiram pela
batata da perna até chegarem ao traseiro, ardendo muito mais que
hemorróida e atingindo rapidamente a cacunda, o cotoco, a clavícola
e o crânio. E assim Tião permaneceu por cinco mil anos, renovados
posteriormente por outros dez mil e finalmente pelo resto da
eternidade e do além-infinito, queimando no inferno por todo o
sempre. FIM
Tente
novamente.
17
“Toca pra fora dessa
pocilga, Vercilo!”, disse Tião, recostando-se no assento esquerdo
do S.S. Djavan, pronto pra tirar aquela soneca. “Tá pensando o
quê, vagaba? Tu tem que remar também!”, retrucou Vercilo,
entregando-lhe um garboso remo de madeira podre. “Rema rema rema
remadoooor”, cantava o capitão, enquanto Tião se esforçava para
tocar o barco adiante. O problema, claro, era a falta que fazia sua
mão esquerda: só com a direita e o cotoco ele mal conseguia segurar
o remo, que dirá dar impulso suficiente. Por sua vez, Vercilo, no
assento da direita, remava com energia total. Não demorou muito para
o barco começar a tombar para a esquerda e capotar no Rio das Almas.
Vercilo afundou junto, como manda o manual do capitão suicida mirim,
mas Tião conseguiu nadar torto até a beira do rio e se arrastar
para a terra firme. A porta de sucupira parecia agora a única
alternativa para fugir dali.
Vá
para 5.
18
O sujeito sacou do
casaco um punhado de vidrinhos e os exibiu com orgulho: “Tenho
loló, lança e disco do Grupo Carrapicho. Tudo a preço de banana”.
Tião recusou. “Valeu, mas a última vez que usei tóchicos a tia
me expulsou do Maternal III. Peguei trauma.” O sujeito não se fez
de rogado. Pegou um comprimido que Tião nunca tinha visto e
ofereceu: “Esse aqui custa um pouco mais, mas o barato dura uma
vida inteira.” “E o que é?”, perguntou Tião. “É a pílula
da reencarnação.”
Se
acha que Tião deve aceitar a pílula, vá para 25.
Se
acha que ele deve recusar e ir falar com a dragona, vá para 8.
19
“Esta é a minha
proposta, mon amour”, disse a Capetuda, entregando um papel
a Tião. Ele examinou o material: era uma folha de papel sulfite,
gramatura 75g, sem laminação fosca ou faca especial, branco na
frente e no verso e com apenas uma linha preta traçada quase no
rodapé. “Que porrééssa?”, indagou, citando Shakespeare. “Um
contrato, mon bijou. Basta você assinar e estará livre dos
meus domínios. Voltará para a Terra. Reviverá. Ganhará corpo
novamente.” Tião inclinou o rosto ligeiramente para a direita
mantendo o olhar fixo na Diaba, como quem diz: aí tem coisa. Ele só
tinha desagradado a Chefona desde que chegara no inferno. Dera-lhe um
migué ao receber a missão de enfrentar Elvis Presley, enviara um
espião para uma reunião ultraconfidencial, não passara dois dias
degredado no Poço das Almas Suicidas e cá estava pedindo penico e
oferecendo qualquer coisa para dar no pé. Era isso que o encucava:
“O que a senhora vai querer em troca?” Ela manteve o suspense:
“Nada, mon petit gateau. Apenas o bom e velho prazer de ver
uma alma sofrida assinar um contrato em branco e deixar para minha
purpurinada pessoa decidir o que escrever acima.” Tião encarou o
papel, sem saber o que fazer.
Se
você acha que Tião deve assinar o contrato, vá para 25.
Se
acha que ele deve recusar, vá para 16.
20
Tião se recostou em
seu assento enquanto o Djavan singrava o Rio das Almas. O rio era
extenso e cruzava vários pontos turísticos do inferno. Do lado de
fora da Coletânea de Imitações do Fernando Angelo, ouviram uma voz
estridente balindo a trocentos decibéis: “Você pra mim foooooi o
sol!...” Pela janela do Museu Histórico dos Penteados do Neymar,
espiaram centenas de escalpos ostentando atrocidades capilares. De
repente Tião ouviu um barulho de multidão, acompanhado por tremores
graves como se milhares de pessoas marchassem fervorosamente, e
gritos compostos apenas de vogais. Seria um treinamento do exército
do inferno? Talvez da força aérea, o que explicaria os comandos de
“tira o pé do chão”? “Ih, rapaiz. Esse aqui é o Vale da
Micareta Eterna”, explicou Vercilo, tapando os ouvidos. Tião
lembrou-se de sua amiga dragona, que tinha sido levada pra lá por
culpa dele, após ajudá-lo na malfadada missão de seguir Lady
Meneg'hell. Ouvia os gritos de “aê aê aê” e imaginava o
sofrimento da pobre réptil. E de repente começou a cogitar uma
missão de resgate...
Se
acha que ele deve descer do barco e tentar salvar a dragona, vá para
12.
Se
acha que deve esquecer e seguir em frente, vá para 22.
21
A fila caminhava a
passos de formiga e sem vontade. Tião esperou com paciência de Jó
durante quarenta dias e quarenta noites, sem comida, diversão ou
arte, sem poder escapulir pra tomar um banho ou um drink no inferno.
Quando finalmente chegou a sua vez, ele estava sujo, esgotado e com
uma barba de fazer inveja a Confúcio, mas cheio de expectativa. “Bom
dia!”, começou, com cara de cachorro que vai ganhar biscoito. “Eu
gostaria de reencarnar como--”, mas a moça do guichê fez um sinal
de peraí, colocou um aviso de volto já e escapou pela tangente.
Tião não sabia se ria, se chorava ou se mostrava aquela sua
imitação de Michael Douglas num dia de fúria. “Ih, quando é
assim eles demoram uns dois anos”, veio uma voz vinda do canto. Era
uma velha perebenta. “Se não quiser esperar”, disse ela,
exalando um bafo podre, “eu posso adiantar as coisas pra você.
Tenho aqui um cartão-reencarnação novinho em folha. É uma
oportunidade ímpar.” Sua mão verruguenta segurava um envelope
selado. “E o que você quer com isso?”, perguntou Tião. A velha
fedida desconversou, dizendo apenas que ficava feliz em ajudar. Tião
pegou o envelope, relutante, e pôs-se a matutar.
Para
aceitar a oferta da velha e abrir o envelope, vá para 25.
Para
recusar e esperar a moça do guichê, vá para 13.
22
Seguiram adiante a todo
vapor, embora o motor do barco fosse a gasolina. Pouco depois
encontraram um porto seguro e alegre, onde Vercilo ancorou o Djavan e
mandou Tião descer. “E aí, chefia, o que vai ser? Quer bater um
rango ou tomar uma breja?” Tião até considerou o convite, mas
tinha coisas mais urgentes pra fazer. “Valeu, Vercilo, mas eu
preciso ir embora logo desse inferno infernal. Tenho que arrumar um
jeito de voltar lá pro mundo de cima.” Vercilo abriu um sorriso
esquisito. “Tava só esperando você dizer isso, bofe. Tenho uma
proposta über interessante pra você.” E começou a se
transformar: o cabelo raspado deu lugar a longos chifres salpicados
de brocal, os lábios ficaram carnudos e brilhosos, duas mamonas
siliconadas saltaram do peito. Tião não acreditava em seus olhos:
Vercilo era a Diaba!
Vá
para 19.
23
“Tenho aqui uns
formulários rápidos para umas vidas que ninguém quer”, disse a
moça do guichê. Tião examinou os papéis. O primeiro prometia uma
vida confortável no meio de uma família rica, mas por apenas alguns
anos, já que ele nasceria com deficiência nas células de Kupffer e
morreria antes de perder a virgindade; o segundo era pra ser gêmeo
siamês do ACM. Tião devolveu os dois papéis e examinou o terceiro.
Estava longe de ser o que ele tinha em mente, mas era a última opção
que lhe restava. Ele preencheu seus dados, assinou o papel e fechou
os olhos, resignado.
Vá
para 25.
24
“Eu é que não
enfrento essa fila enorme”, brasileirou Tião, posicionando-se
estrategicamente atrás de um grandalhão e na frente de uma
criancinha cega de óculos escuros, a poucos metros do início da
fila. Mas o migué não saiu como previsto: a criancinha cega era um
anão mafioso disfarçado, que ordenou que seus capangas enxotassem
Tião a bordoadas e safanões. Humilhado, ele voltou para o final da
fila com o rabo dolorido e entre as pernas.
Vá
para 21 e vê se aprende a não furar fila.
25
Vários meses se
passaram. Nove, pra ser mais exato. Tião não tinha muito o que
fazer durante esse tempo todo: passava os dias enchendo a cara de
fluido amniótico e pensando na vida que se aproximava. No início
tinha espaço de sobra, mas a rotina sedentária fez com que ganhasse
muito peso e ele já estava doido pra sair dali. Um dia, finalmente,
começou a ouvir vozes do lado de fora; primeiro gritos sofridos de
mulher, depois urros de encorajamento, todas em uma língua que lhe
era completamente desconhecida. Uma fenda iluminada abriu-se diante
de si e ele só conseguiu pensar antes de sair: “Jerônimoooooo!”
Foi retirado por um homem de dois metros de altura, peito cabeludo,
osso de albatroz atravessando o nariz e tatuagem de caveira cobrindo
o rosto; ele arrancou o cordão umbilical com uma só mordida e o
ergueu para as dezenas de pessoas ali presentes. Waka waka konga
la konga!, disse ele, segurando Tião como aquele macaco fez com
o Simba. Ratamahata kalunga sambuca!, responderam os outros,
extasiados. Tião tinha nascido uma linda garotinha da tribo dos Tak
Tak, na longínqua Ilha de Ragatanga.
Frase
do próximo capítulo:
“Chato
é ter chato.”
Isabella
Brandão
O
capítulo também deverá conter um haikai, um espadachim e um mamilo
no pé.
(Lembrando que todos os capítulos desta última temporada deverão conter a palavra "último". "Última", "últimos","últimas" também valem. "Ultimamente", "ultimato" e "ultimogênito" estão proibidas.)
(Lembrando que todos os capítulos desta última temporada deverão conter a palavra "último". "Última", "últimos","últimas" também valem. "Ultimamente", "ultimato" e "ultimogênito" estão proibidas.)
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