terça-feira, 21 de dezembro de 2010

VI - Born to be, uai




Frase do capítulo:
"Inté, tropa. O tio tá cansadão. Rumo ao pijamão listrado..."
(William Bonner, no Twitter)


Tião não esperava aquele destino. Amarrado por uns fedelhos com espinhas na cara e pêlos nas mãos, ele reconhecia que a batalha estava perdida, mas não a guerra. Todos aqueles anos a mais teriam que servir pra alguma coisa e ele partiu pro ataque.

- Façamos um trato então. - disse em tom de desafio - Vocês me deixam ver meu pai e minha mulher e conto o que estava tramando.

Dadinho olhou de soslaio para Paulo e ambos saíram da cozinha para matutar a respeito.

- Paulo, esse cara tá bolando alguma coisa. Isso aí de pedir pra ver o pai e a mulher é só pra ganhar tempo. Conheço esse tipinho típico num é de hoje.
- Dadim, o cara deve tá só preocupado com a família. Além do mais preciso descobrir que diabo de poema foi aquele que digitei no cativeiro.

Dadinho coçou a cabeça e, sem argumentos, concordou com Paulo. Gritou para Bernalonga trazer o velho e a dromedária e entraram os dois de volta na cozinha.

- Logo mais você se junta aos seus. Enquanto isso vai falando! - Paulo estava com pressa. - Que palhadaçada toda é essa?
- Vocês cometeram um erro muito grave me trazendo pra cá. - Tião disse isso e gargalhou canastronamente.
- Erro foi a gente ter embarcado nessa viagem que tinha tudo pra dar errado. Bem que a mãe da Laís avisou. Quando a bola de massa do pão de batata não bóia no copo... tsc tsc tsc.
- Dadinho, concentra no interrogatório que a merda está feita. Apressa o Bernalonga e pára de lavar a mão.

Dadinho ia saindo da cozinha quando o pai e a camela chegaram. Os dois estavam soltos, sem amarras e Natasha estranhamente bem comportada. Podia até ser medo da escolta linha dura de Tarardo Manquino, que trazia em uma mão um longo bastão de ferro e na outra um megafone que tocava a música do Titanic repetidamente, mas a baba no canto da boca de Natasha denunciava que o motivo era outro.

- Por que minha mulher tá babando desse jeito? - Perguntou Tião, como mostra a interrogação depois da frase.
- Ela tomou uns comprimidinhos que descolei de um chapa meu. TÔ MUITO LOUCO, MAMÃE! - disse Manquino mancando - Dei pra sua tylopoda esposa uma dose cavalar de dinitrofenol. Um medicamento desacoplador do fluxo de elétrons que vai matá-la em poucos minutos se não tomar logo o antídoto.

Momento médico da terceira temporada: Dinitrofenol é um agente desacoplador porque tem a capacidade de isolar o fluxo de elétrons e o bombeamento de H+ na síntese de trifosfato de adenosina (ATP). Ele dissipa o gradiente de H+, reduzindo a produção de energia pela mitocôndria. Nessas condições, os alimentos não são usados para produzir ATP, o que leva à perda de peso, fadiga muscular, ataxia e outros sintomas relacionados. A administração de dosagem inadequada pode levar à morte.

Tião desesperou-se com a possibilidade iminente de perder Natasha mais uma vez. Debateu-se na cadeira e gritou palavrões impronunciáveis até por uma dona de casa rebelde. Lígia, que só abria a boca para comer, beber e chupar, manifestou sua perplexidade dizendo alguma coisa que não foi possível ouvir e retirou-se.

- Hanuman não perdoará suas almas se algo acontecer com minha esposa.
- Esse discurso palavroso só está atrasando as coisas. Abre logo o bico e injetamos o antídoto na sua digníssima. - Isso quem disse foi Dadinho.

Tião respirou fundo e começou a lamúria. Explicou pra turma toda sua longa caminhada desde a Ucrânia até Belorizonte. Vez ou outra chorava e, a medida que ia abrindo o bico, Tarardo Manquino injetava o antídoto na bundinha peluda de Natasha. Quando finalmente começou a discorrer sobre os versos que incucavam Paulo, a campainha do rancho tocou. Anãma foi ver quem incomodava. Volta ela dizendo:

- Pessoal, tem um cara fardado aí na frente dizendo que tem um mandado de busca. Tá querendo entrar junto com o batalhão dele.
- Ferrou tudo. Esse cara vai ver o Tião amarrado aqui na cozinha e vai pensar que somos sequestradores inescrupulosos e sem coração. - preocupou-se Paulo.

Antes que tivessem tempo de esconder os prisioneiros, o homem fardado forçou sua entrada rancho adentro. ZÁZ, que tinha uma queda por autoridades violentas, bateu palminhas e salivou um pouco, mas tentou impor respeito dentro de sua propriedade.

- Quem o senhor alto e forte pensa que é para entrar no meu rancho sem ser convidado?
- Desculpem o mau jeito. Sou Dom Lázaro Venturini, delegado do condado de Sapeca-Iaiá. Tivemos informações de que os ocupantes do veículo abandonado na estrada teriam sido trazidos para esta localidade. Positivo? - o delegado tinha um palavreado incondizente.
- Sim, o carro era nosso, mas avisamos nossas famílias de que estava tudo bem. Minha mãe já até desalugou meu quarto. - Paulo se adiantou.
- Novamente me desculpo, mas o inquérito ainda está em adamento. Seguimos o rastro de jujubas pela trilha na mata e encontramos um casebre completamente destruído pelo fogo. Juntando as pistas e seguindo o cheiro de misto-quente, chegamos aqui.
- Seu delegado, a gente agradece a visita, mas por aqui tá tudo certo. - disse Bernalonga, enquanto tentava esconder Tião colocando-se entre ele e o delegado.

Todo o esforço de Bernie - como era conhecido nas cabines eróticas que frequentava no centro da cidade - foi em vão. Dom Lázaro, depois de algum tempo de conversa, viu que algo se mexia atrás de Bernalonga. Foi então que ouviu-se um barulho e duas imensas asas de borboleta ergueram-se no ar. Era assim sempre que Tião ficava nervoso.

Num pulo assustado, o delegado Venturini projetou-se para trás e, de joelhos, apontou a arma para Tião, que mesmo amarrado metia medo.

- Muriquis me mordisquem - é como dizem “macacos me mordam” no Vale do Jequitinhonha -. O que é isso na cozinha de vocês? Tive um déjà vu. (escrever déjà vu é muito legal porque os acentos das vogais apontam pro pingo do jota).
- Calma delega. Esse é o cara que correu atrás da gente na estrada. Sem a motoserra não tem perigo. Precisamos tirar uma história a limpo com esse sujeito. - Dadinho fazia parecer que estava tudo bem.
- Eu tô reconhecendo esse meliante, doutor. - disse o Cabo Úéssebê - Lembra do caso de Dona Pilar Gouvêia? Foi ele que matou a empregada de estimação dela.

Tião ouviu aquela acusação sem fundamento e riu, debochadamente, na cara do oficial. Podia conviver com tudo: asas de borboleta, uma mulher dromedária, falta de sexo por inúmeros capítulos, mas ser acusado injustamente não.

- Francamente, não sei do que vossas reverendíssimas excelências estão falando. Cheguei a pouco de fora. Não matei ninguém.
- Isso a gente vai ver na delegacia enquanto o Tonhão faz uma massagem relaxante em você. - o delegado disse isso e mandou recolher o Tião.

Dom Lázaro, limpou da testa o suor do longo dia de trabalho e se despediu dos meninos com um aceno, das meninas com um beijo e de ZÁZ com um abraço apertado pra ele sentir o piru.

- Inté, tropa. O tio tá cansadão. Rumo ao pijamão listrado... seu animal imundo. - disse por último, chutando Tião pra fora.

Era de se esperar um alívio geral, afinal, tinham ficado livres de um potencial assassino. Mas o que se viu foram expressões de preocupação, mais ou menos como o Cigano Ígor demonstrando amor por Dara em Explode Coração. Com Tião nas mãos dos policiais o segredo do bilhete poderia estar perdido. Além do mais tinham deixado pra trás uma camela gigante e um pai de língua presa. Precisavam de um plano.

- Gente, eu sei o que podemos fazer. - disse Lígia.


Frase do próximo capítulo:

“Embora ocupasse um cargo importante da hierarquia católica, tinha um apelido engraçado, Padre Perereca.” - Laurentino Gomes, no livro 1808.

O capítulo também deverá conter um trecho de um samba, uma máquina agrícola e uma posição sexual.


(Lembrando que todos os capítulos desta última temporada deverão conter a palavra “último”. “Última”, “últimos” e “últimas” também valem. “Ultimamente”, “ultimato” e “ultimogênito” estão proibidas.)

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