domingo, 31 de outubro de 2010

V - A Língua da Justiça



Frase do capítulo:
"Vocês gostam de se emaconhar, não gostam? De ficar 'doidão', 'chapadão' e depois comem, comem, comem"
(Perua de Deus, no livro Cócegas, pág 97)

- Buááááá, ele morreeeeu, ele morreeeeu! - lamentava a estranha noiva numa voz tetêespíndolicamente aguda, com a cabeça baixa sobre o inerte anãozinho.

Tião ficou todo sem jeito.

- Calma, minha filha, calma.
- Unhééééééé!!
- Me conta, o que aconteceu? Do quê que ele morreu?
- De doença de rato! - respondeu a moça. O corpo do anão de capacete pareceu tremer por um instante, e Tião podia jurar que ouviu o cadáver rir. Isso mesmo. Rir, o breve verbo rir.

Dentro da sala, Dadinho e Paulo Saci não entendiam bulhufas. Aquela mulher era alta demais para ser noiva de anão. A cabeleira preta e o véu tampavam sua cara, mas um detalhe esquisito chamava a atenção – o que era aquilo, barba?

De repente, o som de um megafone invadiu o recinto:

- MAMÃÃÃÃE! EU ESTOU LOUCO, MAMÃÃÃE?!
- Carái – Tião disse ao seu pai – Isso tá mais sem sentido do que o Tiririca comemorando o Dia do Livro. Vamo lá, painho, vem comigo ver que porrééssa.

Chutou a noiva e o anão pra dentro da sala, saiu acompanhado do pai e fechou a porta. A noiva pôde enfim levantar o véu, e foi imediatamente identificada por Paulo e Dadinho.

- Bernalonga!
- Call me Bernie Joe, or I'll drag your soul to hell!! - urrou a noiva barbada, fazendo mão de fogo.

O anão falsamente morto levantou batendo palminhas, tirou o capacete e também revelou sua identidade: era Anãma Aurélia Nicodemo Partos Madeira Zamela Roque Videira. Assim como Bernalonga, ela tinha sido colega de sala de Paulo e Dadinho, e estava no Rancho do ZÁZ com a galera no momento em que eles receberam o telefonema de Laís Abel e Nívea S. contando o que havia acontecido.

- Aí a gente achou que ia ser engraçadaço pegar umas roupas véias que o ZÁZ usou naquela adaptação teatral de “O Senhor dos Anais” e vir aqui resgatar ocês – explicou Bernalonga.

A porta se abriu com um chute. Era Tarardo Manquino, o maluco com o megafone, acompanhado do resto da turma. Misael, namorado de Anãma, aproveitou para puxar a menina pelo bracinho e arrastá-la para fora:

- Chega de teatrinho, vamo cruzá.
- Como é que cês conseguiram passar pelo doidão da motosserra, o pai dele, o dromedário?... - quis saber Paulo Saci.
- Fácel – disse Tarardo Manquino – Eu dei uma baforada na cara deles. Entraram em coma alcoólico na hora. Nuassa! Eu estou louco, mamãe!

Dadinho notou que uma das garotas que veio com eles, quietinha perto da porta, trazia nas mãos uma caixinha de fósforos.

- Que isso aí na sua mão, Lígia?
- Nada não – ela respondeu, pausadamente.
- Vambora pro Rancho, galera? - pediu Paulo – Tô precisando de uma cachaça.
- E eu de um banho – completou Dadinho.
- E a gente num vai fazer nada com esses fí di rato que raptaram vocês? - perguntou Bernalonga.
- Hm, verdade – disse Paulo – Eu tenho uma idéia.

Tião não pôde fazer nada para impedir que o carregassem de seu esconderijo e o jogassem dentro de um porta-malas. Estava tão inebriado com o bafejo etílico que levara que não conseguia mover um músculo, tinha alucinações e só conseguia distinguir alguns sons e vozes.

- Fuuummm, que asa! Vamo dar o fora daqui.
- Sobrou alguém lá dentro?
- Não, tá todo mundo aqui.
- Quitandinha! Quitandinha!
- Cadê a Lígia?
- Tô aqui, gente.

Mesmo dentro do carro, Tião conseguia sentir um calor muito forte e um cheiro de fumaça se espalharem pelo ambiente.

- Que isso, Lígia? O quê que cê fez??
- Ah, amanhã eu me arrependo.
- Como assim, o que você fez?

E a última voz que ele ouviu antes de apagar de vez foi a da menina que falava pausado:

- Botei fogo no esconderijo.

***

Quando Tião acordou, já era dia. Estava com uma cefaléia foderosa, sem a máscara de Jiraya e amarrado numa cadeira. A pia cheia de louça suja e a pilha imensa de mistos-quentes (que plural mais feio) sobre a mesa não deixavam dúvidas de que estava dentro de uma cozinha. Na porta, um misterioso bilhete: “Deixe a porta fechada para que o rato não passe para o outro lado”.

Contrariando o aviso, a porta se abriu e um galerão adentrou a cozinha. Uma garota de cabelos pretos e uma pinta no canto da boca pegou nove mistos-quentes para comer sozinha. Os outros também se serviram, mas com parcimônia. Paulo Saci e Dadinho, revigorados após a noite de sono, sentaram-se à mesa.

- Vocês gostam de se emaconhar, não gostam? De ficar “doidão”, “chapadão” e depois comem, comem, comem – provocou Tião.
- Quem muito fala pouco acerta – retrucou Dadinho.
- Onde é que eu tô? Cadê meu pai? Cadê minha esposa? Posso pegar um misto-quente?
- Não – disse Paulo Saci. - Você só vai ter respostas e comida se explicar, tintim por tintim, que diabos você tava tramando.

Frase do próximo capítulo:
“Inté, tropa. O tio tá cansadão. Rumo ao pijamão listrado...”
(William Bonner, no Twitter)

O capítulo também deverá conter um deus hindu, o nome de um personagem vivido por Lima Duarte e um parágrafo nada engraçado.

(Lembrando que todos os capítulos desta última temporada deverão conter a palavra “último”. “Última”, “últimos” e “últimas” também valem. “Ultimamente”, “ultimato” e “ultimogênito” estão proibidas.)

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