sexta-feira, 30 de abril de 2010

XX - The Tião Ultimatum





Frase do capítulo:
"Os caras já tinham proibido o vinagrete no pastel de feira. Depois resolveram fechar os puteiros." Caco Galhardo, em Nicotina, quadrinhos 12 e 13.


Era preciso uma explicação muito boa pra toda aquela bagunça. Sol raiou-se para a casa grande temendo que seu pai tivesse sido morto antes de ver suas acrobacias aero sexuais com Tião. Natasha e a dekassegui se protegiam dos zumbis com coices e pontapés, enquanto o pai de Tião, com uma machadinha, desferia golpes e gritava:

- Peeeennta campeãããooooo!

Todos seguiam Sol, a iluminada, pelo caminho. A casa grande estava com as luzes parcialmente apagadas, coisa muito estranha, já que era sabido que o Capitão tinha tanto medo de escuro que casou-se com Maria Clara Sparkling da Luz só por causa do nome.

- Sol, corre aqui! - gritou Tião, da janela lateral do quarto de dormir. - Tem alguém andando no andar de cima, ou correndo no corredor.

Tião ergueu Sol pelos sovacos e a pôs sentada no parapeito. Os dois entraram tentando não fazer barulho, mas a cada passo a madeira velha do chão rangia dedoduramente. Tião tentou levantar Sol pra que não pisassem no assoalho, mas os lustres badalaram feito sinos com a ventania. De repente, tiros de 12, vindos de baixo, arrombaram o piso.

- Morram, argentinos imundos. Chupa a Evita aqui ó!

- Papai! Sou eu! - gritou desesparada enquanto as balas pipocavam.

- Raquel?

- Não, pai. Sou eu, Rutinha!

- Minha filha, tá cheio de monstro aí. Desce aqui pro escritório.

Sol e Tião desceram as escadas enquanto o capitão destrancava a porta. Quando viu que a rebenta estava acompanhada de uma borboleta quase atirou contra os dois, mas naquela situação qualquer ajuda era bem vinda. Se trancaram no escritório enquanto o pai explicava a situação toda.

- Tava todo mundo ao redor da fogueira, perto do moinho movido por ventos do norte. Eu tava fazendo uma festa pra comemorar minha terceira ereção do mês e chamei os empregados pra comer um tropeiro.

- Mas você nunca...

- Não me interrompa! Pois bem... começou a ventar como nunca tinha ventado por essas bandas. Achei que era o fim do mundo. Com a ventania veio uma nuvem preta e dela saiu uma coisa estranha, cheia de penduricalhos e luminárias orientais.

- Era um disco vo...

- Posso terminar? Então... ficamos esperando descer algum ET da tal coisa, mas nada. Depois de uns minutos, abriu um buraco no fundo do treco e caiu uma arca dourada, toda trancada de estranhos cadeados. Arrebentou um raio sobre as nossas cabeças, a nave rachou fora e todo mundo apagou num sono eterno de uma mente sem lembranças. (Michel Gondry estava atrás de uma árvore e anotava tudo).

O Capitão andou até a mesa do escritório e mostrou a arca que repousava, imóvel - como convém a um ser inanimado de boa educação - sobre o tampo de madeira. Ela continuava trancada apesar dos esforços do capitão de arrombar a danada.

- Papai, mas o que aconteceu com os empregados todos aí fora? - indagou Rutinha Maria Sparkling da Luz Bujari.

- Não sei muito bem o que aconteu. Acho que o raio catalizou alguma mudança que estava pra acontecer. Os empregados estavam revoltados com a falta de lazer desde que baixaram umas novas leis aí. Essa tal Lei de Die só ferrou com o pessoal. Os caras já tinham proibido o vinagrete no pastel de feira. Depois resolveram fechar os puteiros. Agora mais essa de que todo mundo tem que virar zumbi argentino depois da meia noite.

Tião ouvia tudo enquanto repousava suas asinhas no sofá de couro com marcas de bunda suada. Aos poucos a voz do capitão foi sumindo e ele entrou num flashback muito doido...

Acre, 18 de março de 1992

(Aviso: este blog não tem o menor compromisso com a cronologia)

Tião, na oca de aula de inglês da tribo dos txucarramães, tendo uma conversa paralela com seu colega gago de 8 anos de idade:

- Eu não to entendendo isso de pronome pessoal. Segunda pessoa do singular...

- Tião, é...é... o... o se...eeeguinte: tu, em in...in...inglês, é iú.

- Quê? - Tião estava confuso, mas a criança insistia em ajudar.

- Tu, é...é... i...i... iú...iú.

A tribo caiu na gargalhada. O professor tentava, sem sucesso, acalmar os ânimos. Foi preciso atirar um dardo venenoso no pescoço de Pirauê (Joãozinho, em txucarramãenês) para que a turma ficasse quieta. Mesmo assim, folhas de bananeira albina circulavam pela sala com o apelido novo de Tião, que dali pra frente ficaria conhecido como Tuiuiú. (Mantendo o pioneirismo desse blog, esse foi o primeiro caso registrado de Bullying Indígena®).

Back to the future, o pau quebrava do lado de fora da casa da fazenda. Ouvia-se muito barulho. Gritos de socorro, alguns implorando por um alfajor de dulce de leche e Natasha fazendo os sons que os dromedários fazem. O Capitão tinha explicado pra Sol tudo sobre os acontecimentos estranhos das últimas horas e o assunto agora era a filha dando em pé naquele fatídico dia. Tião, alheio a tudo e parecendo hipnotizado pela arca cintilante, voou, quase sem perceber, até a quina da mesa do escritório. Admirou-se, tal qual Dona Chica, com as inscrições que estavam por toda a peça. Era alguma coisa entre pintura rupestre e rabiscos de criança. Apesar de não entender bulhufas do que diziam, parecia compreender que era um tipo de manual do usuário. Correu o olho em volta da arca pra ver se havia algum ponto vulnerável, uma dobradiça ou aresta mais frágil. Não mais que de repente, ao girar mais um pouco a coisa, viu uma fitinha vermelha que dizia: PUXE AQUI. Assim mesmo, em português.

Puxou. (Agora seria hora de uns efeitos especiais de última geração: raios, ventos e luzes cósmicas de todos os comprimentos de onda, mas como nosso orçamento reduzido só permite um som de traque e uma fumacinha de gelo seco, vou fantasiar um pouco o que realmente aconteceu). A arca ergueu-se da mesa e flutuou para o meio da sala, enquanto a tampa, menos importante, se afastava. Sol e o pai interromperam o papo e, extasiados, olharam fixamente praquele objeto incrível. Envoltos numa luz quente, Tião e a arca flutuavam num balé mágico - muito gay - . O mundo pareceu congelar e era como se nada lá fora tivesse vida. Aos poucos, a fumaça se dissipou revelando o conteúdo da arca. Tião enfiou a mão e buscou de dentro uma máscara de plástico, vermelha e branca com detalhes dourados. Um disfarce misterioso, que revelava apenas os olhos de quem a usasse. Junto dela, deitada em berço esplêndido, uma motosserra STIHL 356.

Não era isso que Tião queria, mas ele não foi-se embora pra Sumpaulo...

FIM
(DA SEGUNDA TEMPORADA)

Em breve, a alucinógena terceira temporada d'A Saga de Tião!


Frase do primeiro capítulo da terceira temporada:
“Só sei que aquele negócio com fio se chama mouse. E em Portugal, se chama camundongo.” - Mário Prata, Os Anjos de Badaró, página 63.

(O capítulo também deve conter as palavras: laprinja, querereca e corrutelas. - Novo Dicionário da Gíria Brasileira, Terceira Edição, 1958)

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