quarta-feira, 7 de abril de 2010

XIX – ¡Saludos, amigos!




Frase do capítulo:
"Não, o Cristo Redentor não é o Megazord de Jesus."
O Criador, Twitter 2010.

A multidão estava em êxtase. Milhões de marroquinos, incluindo a Jade, a Nazira, a Latiffa e todo o elenco desempregado da novela O Clone, levantavam uma incomensurável nuvem de poeira com seus pulos entusiasmados. Os canhões de luz posicionados no palco lançavam raios amarelos pra todas as direções, e quem tinha esquecido o ray-ban em casa ficava cego no ato. A inconfundível voz de taquara rachada e o som da guitarra, cheio de feeling e ainda assim mais elaborado do que aquela vez que o Malmsteem duelou com o Paganini na Quarta Sem Lei da Obra, não deixavam dúvidas.

- Santa Piriquita do Caixão Furado! - exclamou Tião, soando como minha professora de artes da quinta série, que, se não me engano, se chamava Maria das Graças. - A banda Calypso chegou ao Marrocos!

- Acelerou, acelerou, acelerou, acelerou... - cantava Joelma, fazendo o povaréu em Rabat delirar.

Tião e sua trupe ficaram hipnotizados. A guitarra de Chimbinha era tão contagiante que nem a dekassegui, que quase não tinha bunda, se esquivou de umas reboladas. Quando o show terminou, Tião carregou todo mundo para o camarim (o eunuco queria porque queria um autógrafo da Joelma, e os outros tavam afim de descolar um lanchinho zero-oitocentos). Sob olhares surpresos – não é todo dia que você vê um homem-borboleta, uma dromedária, um ucraniano de língua presa, uma japonesa, um grandalhão falando com voix fina e uma escandinava da selva furando a fila juntos – eles atravessaram a imensa horda de fãs e adentraram o backstage.

Conversa vai, conversa vem, Tião teve uma idéia.

- Ô Chimba – disse ele, como se já fosse de casa. – A gente tá precisando voltar pro Acre ainda neste capítulo, cês não querem dar uma caroninha pra nóis no avião de vocês não?
- Oxente, meu rei – responde Chimbinha, demonstrando a completa ignorância deste autor a respeito de gírias da região Norte. – Nosso avião caiu, tá sabendo não? Deu no G1, no Terra, no Estadão... Desde então, a gente só anda de balaio.

[Flashback intrometido: Joelma na janela do ônibus, preocupada com as curvas da estrada de Marrakesh, grita desesperada: "Socorram-me! Subi no ônibus em Marrocos!", sendo este o primeiro caso registrado do uso deste palíndromo dentro de contexto.]

- Mas se vocês estiverem mesmo precisando – prossegue Cledivan – os Aviões do Forró tão fazendo show no estádio ao lado e eles devem ter um monte.

E assim, algumas horas depois, toda a patota desembarcava em uma pista clandestina nos arredores de Bujari, depois de um bem-sucedido seqüestro de aeronave, um desvio rápido pelo Rio de Janeiro ("Não, o Cristo Redentor não é o Megazord de Jesus", explicou Sol à dekassegui, que até se esforçava para entender a cultura ocidental, tadinha) e um pouso forçado comandado pelo pai do Tião ("Apgendi tudo no Fgight Simulatog!", declarou, orgulhoso, enquanto a tripulação acabava com o estoque de saquinhos de vômito da aeronave).

Era noite densa e a Fazenda Pegapacapá, às margens do rio Pacatatucotianão, estava estranhamente deserta. A iluminação escassa já era esperada – afinal é o Acre, até a luz da Lua demora mais pra chegar –, mas o silêncio era incomum: geralmente, a essa hora, se escutava o som das cabritinhas fazendo amor de madrugada com os empregados do capitão.

- Muita calma nessa hoga, galega.

De repente ouviram um guincho. (Sonoro, não de reboque.) Era algo indecifrável. Seriam as cabritas chegando ao clímax?

- Yo no creo en bruuuuuujaaaaaaaaaaaas – eles agoram conseguiam identificar uma voz roufenha. - Pero que las hay, las haaaaaaay!
- Hay que endureceeeeeeeeeeer... pero sin perder la ternura... jamáááás!! - ouviram uma segunda voz, agora chegando mais perto.

A escuridão não deixava ninguém ver cousa nenhuma, e a galera começou a se borrar toda. De repente, Sol reconheceu uma silhueta.

- É o Cavaco – disse ela – Copeiro de papai. Mas tem alguma coisa estranha com ele... tá faltando alguma coisa...

Outra figura despontou no horizonte. Sol apurou a visão e identificou mais um.

- É o Tiroba, motorista de papai. Mas ele costumava ter dois braços...
- Da me mas gasoliiiiina! Da me mas gasoliiiina! - gritava o Tiroba, cambaleando de um lado pro outro.
- E sem falar que não me lembro de nenhum deles falando espanhol...

Não demorou muito. Em instantes, dúzias e mais dúzias de empregados do capitão de Bujari cercaram o grupo. Alguns eram velhos, outros mais jovens, algumas mulheres. Em comum, tinham não só a falta de membros do corpo – narizes, orelhas, braços, baços –, o sangue vermelho-tampax escorrendo dos olhos e o andar trôpego, como também os berros em idioma castelhano e os passinhos de tango pra lá e pra cá.

- ¡Queremos cerebro para el almuerzo y la cena! - eles gritavam em coro, sobre uma velha melodia de Gardel.
- Cagalho! - gritou o pai de Tião, boquiaberto – Estamos cegcados de zumbis!
- E o que é pior – disse Tião – São zumbis argentinos!

(Não perca, no próximo capítulo: finalmente revelado porque o apelido de Tião era Tuiuiú. E o glorioso fim da segunda temporada!)

Frase do proximo capitulo:
"Os caras já tinham proibido o vinagrete no pastel de feira. Depois resolveram fechar os puteiros."
Caco Galhardo, em Nicotina, quadrinhos 12 e 13

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