terça-feira, 13 de outubro de 2009

XVII - Назад до Бразилії



Frase do capítulo:
“Tudo dentro da lei, da ordem e do progresso”
(Mario Prata)

Quanto mais a dekassegui desenrolava a fita isolante grudada há um mês no corpo de Tião, mais ele reclamava:

- E essa japonesa sem bunda, tá fazendo o que aqui além dessa depilação expressa?
- Ela é uma especialista que eu trouxe diretamente da Terra do Sol Nascente – explicou Sol da Meia-Noite. – Sem a sua sabedoria oriental e sua experiência em Hiroshima com mutações corporais, meu plano não ficaria completo.

Finalmente a japonesinha miúda terminou o serviço e soltou uma risada de satisfação em japonês quando viu o resultado. Todas as atenções se voltaram imediatamente para Tião e a seleta platéia presente neste momento ímpar pôde admirar a transformação que Vladmir Caparó Moskovsky acabava de sofrer. A sua voz continuava a mesma e seus cabelos também, mas ele agora tinha nas costas um imenso par de asas de borboleta. Ele olhou pra trás para entender os queixos caídos e quase morreu de desgosto:

- Porra, Sol. Me amarrar, me prender num buraco, me transformar em inseto, vá lá. Mas as asas precisavam ser cor-de-rosa?!
- Não é cor-de-rosa, seu ignorante, é fúcsia. Mas relaxa, se seguir direitinho o meu plano, ninguém vai duvidar da sua masculinidade.

Enquanto Tião se acostumava com suas novas asas membranosas cobertas de escamas (fonte: Tesouro da Juventude), Sol da Meia-Noite reuniu todo a patota que tava por ali – Natasha dromedário, o pai gago de Tião, Greta e o eunuco – e explicou pra galera que não tinha más intenções para com eles, que precisava de ajuda e todo aquele lero-lero dos fins que justificam os meios. Fez questão de frisar várias vezes que todo mundo ia se dar bem no final.

- De jeito maneira. Não quero dinheiro. Eu só quero amar – disse Tião, olhando de soslaio para as corcovas de sua amada.

- Mas é justamente isso, Tião. Depois de concluída a vingança contra papai, a gente pode viver todos juntos dentro da fazenda dele, numa comunidade neo-hippie. Imagina: paz, amor, bebendo absinto e comendo misto-quente, jogando Twister, todo mundo tendo filho com todo mundo. A gente pode até fazer um sorteio pra ver quais serão os primeiros casais. Tudo dentro da lei, da ordem e do progresso, ou na medida do possível.

Tião se animou e já foi balançando as asinhas, pensando nas bizarras orgias multi-zoo-culturais que tomariam conta do lugar.

- Ok, sou todo ouvidos. Explica o plano pra nóis.
- Bom. – disse Sol – É o seguinte...

[Como nos melhores filmes de golpe, as explicações do plano de Sol virão acompanhadas por descrições ilustrativas entre colchetes.]

- A gente vai voltar pra Bujari e, na calada da noite, invadir a Fazenda Pegapacapá, de propriedade de papai. [Close no nome da fazenda escrito a dedo com tinta guache, as primeiras letras bem maiores que as últimas porque faltou espaço.]

- Podemos fazer à moda antiga, matando os homens e estuprando as mulheres, ou o contrário se for da preferência de vocês, não tenho preconceitos. O eunuco talvez queira capar alguns jagunços pra não ser o único desbolado da região. Natasha, cuidado com os cavalos porque eles curtem quando chega na praça uma egüinha diferente. [Plano americano de Natasha rolando no pasto numa orgia louca com cinco cavalos, um burro cor-de-burro e uma mula lésbica com strap-on.]

- E terminamos a farra com um gran finale. Papai me expulsou de casa quando pegou você me comendo em pé, não foi, Tião? Pois agora ele vai olhar pela janela e ver você me comendo voando! [Close na cara de susto do capitão, pan horizontal e plano aberto mostrando Tião-borboleta lá fora carregando Sol da Meia-Noite no colo; ele olha para o tiãozinho e grita: para o alto e avante!]

Ao ouvir o gran finale, Natasha deu uma bufada de ciúme e espirrou baba de dromedário na nuca de Sol, que até gostou porque era geladinho. Foi a única objeção do grupo, porque os outros pareceram bem empolgados.

- Então pgonto! – disse o pai de Tião – Vamo emboga da Ucgânia rumo ao Acgue pga deflaggar uma bguiga homéguica!
- Eu posso carregar alguns por via área – disse Tião – O resto vai no lombo da minha esposa.

Todos a postos, partiram para a longa jornada, não sem antes Tião dizer suas últimas palavras para sua terra querida:

- Do pobachennya! (Nota do Autor: essa foi só pra exibir os meus recentemente adquiridos conhecimentos sobre o idioma ucraniano.)

E zarparam para o Acre para uma memorável peleja que em breve, infelizmente, ficaria para sempre gravada nas retinas de Tião.

(Não perca no próximo capítulo: finalmente revelados os detalhes sórdidos da noite de sexo que a mãe de Tião teve no dia do parto.)

Frase do próximo capítulo:
“É um lance de poesia profundo, feito de acaso e equívocos, que serve como síntese do drama tropicalista.” – Caetano Veloso, Verdade Tropical, página 124.

Nenhum comentário: