domingo, 24 de maio de 2009

XII - Pragod!



Frase do capítulo: “Elas serão extremamente ofensivas, se utilizadas por um estrangeiro.” (Guia de Conversação de Chinês da Publifolha, p. 147)


- Cagalho, filho. Vâmo entgá e ver dicoléquié desse tgoço.
- Ah, pai, não sei se gosto da ideia. Lembra quando eu era criança e tentei ressuscitar minha pomba rola?
- Lembgo não. Te conheci anteontem. Mas acho que a gente podia tentar reviver sua senhoga. Toca esse sino aí.

Depois de espancar o sino com o cotoco, Tião, a Defuntinha da Pesada e o pai foram recebidos na porta por uma senhorinha simpática. Muito educada e sem cerimônia, fez sinal pra que entrassem. Isso já bastou pra Tião pegar alguma confiança. Seguiram a mulher por um labirinto de salas e escadas que terminavam em um pátio nos fundos da casa.

- Esse lugar me lembga o centgo de macumba do Pai Pgueto, em Agagaquaga.
- Deve ser a música. Esse batuque é meio brasileiro. Aquela escultura...

A conversa foi interrompida por uma voz rouca que vinha sabe-se lá de onde. Era como se o Almighty estivesse falando dentro da cabeça deles.

- Desculpem a demora. Prendi o saco no ziper, acabei chorando e, sem querer, alaguei um país africano onde não chovia nunca. Me atrasei recebendo os 208 mil novos hóspedes. Vieram boiando. Hahahaha. Desculpa. - disse a voz, se recompondo.
- Cagalho, você é Deus?
- Deus não existe, meu caro. Numa festa, há alguns anos atrás, - eu estava realmente um pouco alto - acabei falando umas bobagens, uns caras anotaram e venderam a história. O título original era: “Hangover. Histórias para ler chapado.” Mas parece que já mudaram. Nem sei mais.
- Ô “Coiso” , será que dava pra botar minha mulher de pé novamente? - falou, Tião, apontando pro carrinho.

A voz, prontamente, respondeu que sim. Disse que estava um pouco sonolenta, mas que aquilo era coisa simples. Depois de um barulho e algumas palavras em latin, Filisbina dava sinais de vida dentro do carrinho.

- Neném qué dedera. - ela gritava em russo.

O pai de Tião parecia não querer acreditar. Não sabia se ficava mais espantado com a morta-viva ou com aquela criança grande e gostosinha dentro do carrinho.

- Cguiatuga, endoidou, foi? Nós pedimos só pga reviver a mulher. Você fabguicou uma cguiança.
- Me desculpem, mas daqui de cima parecia um bebê. Acontece. Vai dando leitinho que ela cresce. Minha assistente vai acompanhá-los até a porta. Preciso dormir porque tô pregadão.

A senhora os acompanhou pelo caminho de volta. Na sala, parou para pegar uma caixa no armário. Era uma caixa de madeira entalhada com vários desenhos e letras gregas. Um ferrolho enferrujado denunciava que há tempos não era aberta.

- Aqui dentro tem o certificado de garantia da ressurreição e a oração para reverter o processo. Se a presunta der algum defeito, pode trazer que a gente troca. Ah, não leiam essas palavras durante a lua cheia, muito menos em chinês. Elas serão extremamente ofensivas, se utilizadas por um estrangeiro. Transformações inimagináveis poderiam ocorrer. - terminou a velha, se benzendo.

O Jaspion e a Madonna sairam pelas ruas levando o carrinho com a choramingona. Era tarde, ventava frio e uma lua grande iluminava os passos dos dois.



Frase do próximo capítulo: “Isso. Mas ficando ou rolando, o que importa é se bateu. Pode rolar de rolar e não bater, e ficar e bater” (Os Normais, p. 79)

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