quarta-feira, 13 de maio de 2009

IX - Tguês tiggues tguistes



Frase do capítulo:
"Ah, Paris! Palácios de cristal e ruas imundas."
(Ana Miranda, em Boca do Inferno)

Tião já ia entrando no Monza sujeiraça do caboclo da língua presa quando teve um surto de lucidez:

- Espera. Isso não tá certo.
- Tá certo sim, mandei ele pga revisão em setembgo. Consertei o fgueio e tgoquei o óleo, tá tudo nos tguinques.
- Não é isso. É que não posso deixar a Filisbina à mercê dos necrófilos do IML. Imagina eu virar um corno póstumo? Vamos pegar a presunta e botar no seu carro, depois eu penso o que fazer com o corpo. O foda é driblar esse muvucão em volta dela.
- Tudo bem, como eu sou um personagem de ficção e ajo conforme as necessidades da históguia, tenho aqui no porta-malas uma maca e duas roupas de hospital. A gente finge que é do pgonto-socogo e tiga ela de lá sem levantar suspeitas.
- Perfeito. Vamo nessa.

A operação ocorreu convenientemente sem percalços e o cadáver de Filisbina foi alojado no banco de trás do veículo (o porta-malas estava lotado, porque além da maca e as roupas de hospital ainda tinha três cães de caça, uma garrucha, uma caixa de pizza com fundo falso, um boneco do E.T. com defeito na perna e um par de algemas, caso ele eventualmente fosse requisitado em outras histórias sem nexo ou pornôs).

Chegando na pousada, Tião desabou sobre a cama e pôs-se a pensar no que faria. Aproveitava o dinheiro que tinha ganhado em troca dos pirulitos azuis e embarcava num cruzeiro? Enterrava sua esposa com toda a pompa e a glória que ela gostaria? Estudava Medicina? Ia pra China? Mandava um e-mail para os autores do blog perguntando se eles tinham algum fiapo de trama em que ele pudesse se agarrar? As dúvidas e as possibilidades eram tantas que ele dormiu contando interrogaçõesinhas em vez de carneirinhos, e só foi acordar na manhã seguinte. Após um asseio matinal como há muito não fazia (você não imagina como é difícil cortar as unhas quando se é maneta), apareceu no refeitório pra tomar café e topou com o dono da pousada.

- Cara, cê me salvou ontem e até agora não sei seu nome. Eu sou o Tião. Você é quem?
- Meu nome é Pedgo Andgué Pegueiga de Bguito Bgandão, mas pode me chamar de Zé.
- Prazer, Zé. Bom, é o seguinte. Eu andei pensando ontem e resolvi que, antes de qualquer coisa, preciso dar à Filisbina um fim digno. Tem algum açougue aqui perto? Digo, cemitério?
- Tem o Cemitéguio da Espegança, fica ali atgás da iggueja... Mas como você falou que é endinheigado, porque não enterra a patgoa num lugar bacana? Sei lá, na Áustguia, no Chipgue, no Père-Lachaise de Paguis...
- Ah, Paris! Palácios de cristal e ruas imundas. Sabe que é uma boa?
- Você conhece Paguis?
- Não, mas já assisti "Pode Bater Que Ela É Francesa" umas trinta vezes.

Tião matutou mais um pouco e ponderou:

- Sabe o que eu acho que tô pensando? Vou levar ela de volta pra Ucrânia e fazer um funeral por lá. É bom que depois até rola um botequinho. E também posso rever meu pai, minha mãe e meus nove irmãos, Igor, Bóris, Yuri, Sabugo, Peçanha, Taumaturgo, Gervásio, Simpósio e Enésio, que tem tanto tempo que não vejo.

E nisso Zé ficou subitamente calado. Depois disso, fez uma cara engraçada (cê tinha que ter visto, contando perde a graça) e disse:

- Hmm. Olha. Tem uma coisa que você pguecisa saber.

***

Frase do próximo capítulo: "Você deve ser", disse o Gato, "Senão não teria vindo para cá." (Lewis Carrol, em Alice no País das Maravilhas)

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