terça-feira, 25 de março de 2008
23 - Cinco contra um em Vladivostok
Kiev, sete anos atrás.
A obscura cafeteria do cine Belazartz é o último reduto anti-comunista de uma Ucrânia vermelha. Ao contrário do que se poderia esperar de um cinema supostamente cult, aqui não se usa boinas, mas bonés do New York Yankees; não se diz “Oui”, mas “Yo!”; não se assiste ao clássico da nouvelle vague “La réponse est dans la tête de la veuve” (“A Resposta Estava Dentro da Cabeça da Viúva”, de 1952), mas aos cowabungas berrados pelas Tartarugas Ninja.
Vladmir observa caladão. Não sabe o que pedir à garçonete. Nunca lambuzou os beiços com molho barbecue, ignora o que é cheddar e não sabe dizer se Pepsi é refrigerante, sabonete ou o novo centroavante do Cosmos. Aliás, não sabe nem por que está aqui. Veio por acaso, por curiosidade de descobrir o que se esconderia naquele recinto, que tipos de tramóias e maracutaias se--
- Deseja alguma coisa? – interrompeu a garçonete.
- Uma vodka, por favor.
- Uma vodka? Acho que você não entendeu onde está. Aqui – e lascou no balcão uma garrafa de 1 litro e trezentos, daquelas que você devolve no Vasilhames Carrefour depois de tomar – servimos Coca.
- Dá uma dessas então. Com um caviarzinho pra acompanhar.
Vladmir engoliu a gororoba com boca boa, enquanto comia com os olhos a garçonete à sua frente. Esguia, magérrima, olhos de esfinge, pés pequeninhos; mechas multicoloridas sob o cabelo preto denunciando as constantes mudanças no visual; peitões maduros saltando pra fora do decote e chamando pro abraço.
- Quê que foi?! – gritou a coitada, ao perceber o estupro à distância.
- Nada, só fiquei curioso com o que você tá escrevendo aí...
- É coisa particular. Um poema.
- Poema ou po-“emo”? – ele riu do próprio trocadilho, mas ela retribuiu com um olhar blasé (nesse caso era cabível).
- O senhor deseja mais alguma coisa ou posso fechar a conta?
- Não fala assim que eu me apaixono. Deixa eu ler o seu poema, deixa?
- Meus poemas são muito pessoais. Quando alguém lê, eu me sinto exposta.
- Ah, claro. E não tá nada exposta aí debruçada, me atiçando com esse farol alto.
- Ê, lem casa – ela desistiu – Toma, lê aí, mas lê rápido.
Ele pegou o caderno, empostou a voz e declamou eloqüentemente os garranchos ali escritos:
- “Procuro um bom moço
Para esta gatona
Que não seja grosso
Nem seja cafona
Já sou um esboço
Que quase funciona
Falta só o caroço
Da minha azeitona”
Vladmir largou o caderno sobre a bancada, olhou bem fundo nos olhos da garçonete e disse com voz de versão brasileira Herbert Richards:
- Pode me apertar que sai azeite – ganhando, assim, o prêmio de Cantada Mais Lama do Ano pela Associação Soviética de Xavecos Frustrados, Casos Mal-Contados e Piadas Fora de Hora, embora ele não fosse receber o prêmio por estar ocupado brincando de médico com a garçonete em questão, o que prova que a cantada não foi assim tão malsucedida.
Mas na hora pareceu.
- Você é uma vergonha, sabia?
- E você é uma gracinha. Posso saber o seu nome?
- Meu nome é Наташа Мария. Mas pode me chamar de Natasha Maria.
Vusshhhhh (efeito sonoro muito utilizado em seriados como Lost indicando o término de um flashback)
Falta só o caroço. Falta só o caroço. A frase martelava na cabeça oca de Vlad e ele não conseguia se lembrar de onde vinha. Alguma receita da Ofélia que ele prometeu cozinhar para Natasha? Algum ditado russo mal-traduzido para o português?
De repente veio tudo. A cafeteria, o encontro...
- O poema.
- Muito bem, mister Vlad. Lembrou do poema. Como é que terminava, você lembra também?
- “Falta só o caroço... da minha azeitona.”
- Muito bem, muito bem – ela sorriu satisfeita. - Já adivinhou, certo? Vlad... você é o caroço da minha azeitona.
Ele esbugalhou os olhos que nem o Máskara naquela cena antológica.
- Não me diga que você fez essa palhaçada toda pra terminar num casamento arranjado de um quadro do Caldeirão do Huck!
- Digo não, fica tranqüilo – ela riu da imaginação fértil do garoto, e então retirou a placa com a frase “Falta só o caroço” que estava sobre o misterioso botão cinza.
- Pronto, agora não falta mais.
E apertou o troço.
- Que isso?! Que fumaça é essa? E essa barulheira? Natasha Maria, que botão é esse que você apertou?
E ela:
- É uma incubadora a jato. Vladmir Moscovsky, quero que conheça os seus filhos.
Frase do próximo capítulo: "Sou apenas um cara tentando pegar meu tapete de volta."
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