Vlad abriu os olhos e se deparou com uma enfermeira gostosa. Tentou esticar sua mão para boliná-la, mas descobriu que não tinha mão. Empregou uma cantada barata e pediu que fizesse carinho em seu cocuruto, mas ela retribuiu com uma voz estranhamente grave:
- Carinho é o caralho, rapá.
E ele percebeu que aquele na verdade era Tonhão, cirurgião-amador da delegacia que tinha 2 metros de altura, pêlos nas orelhas e não era nada gostosa. Tudo não passara de uma doce e patética ilusão provocada pelo excesso de anestesia nas veias de Vlad - exceto a ausência da mão, que realmente havia sido despregada por uma britadeira e colocada num potinho.
- Souvenir pra você – disse Tonhão, chutando Vlad para fora da mesa de cirurgia. Aos prantos e com a bacia machucada pela queda, ele fitou a mão morta dentro do pote e, sussurrando um poema de Clarice Lispector no original em ucraniano, deu a ela seu último adeus.
Daí entrou um sujeito na sala e informou:
- Estão requisitando o senhor Vladmir na sala do delegado.
Vlad jogou o potinho no lixo e foi ver o que ele queria.
- Olha, senhor – disse o delegado, sereno, polido e prolixo – Realmente fomos um pouco precipitados em sua condenação. Um menino acabou de confessar à professora que assassinou a empregada depois de uma discussão durante um jogo de strip-adoleta. Parece que ele ficou meio chateado que o senhor recebeu todas as glórias pela autoria do crime. Já mandamos prender o meliante e pretendemos enviá-lo a um exílio na Pennsylvania. Quanto ao senhor, sentimos muito pelo engano. A culpa foi do legista, eu avisei pra ele que tinha uma melecona enorme do nariz da defunta e que isso é sempre sinal de que estamos prendendo alguém injustamente, nunca falha. De qualquer forma, vamos recosturar sua mão imediatamente. Tonhão, traga a mão do rapaz!
- Dá não, delega, o caminhão de lixo acabou de levar!
- Hm. Entendo. É, complicado. Nesse caso, o senhor gostaria que colocássemos, digamos, tesouras no lugar?
- Tesouras?
- Que tal... cenouras?
- Quê?
- Hã... ceroulas?
- Ceroulas? Olha, delegado. Precisa de nada não, beleza? Só quero um pouco de paz, com mão ou sem mão, estou viajando há semanas e preciso chegar logo a Belo Horizonte.
- Belo Horizonte? Por que não disse antes? A gente tá do lado e tem uma viatura aqui indo pra lá agora, se o senhor precisar de uma carona...
Surpreendentemente não aconteceu nenhuma desgraça durante o trajeto e, meros trinta e sete minutos depois, Vladmir agradeceu o motorista e desceu da viatura. Pela primeira de muitas vezes em sua vida, punha os calejados pés na Praça da Savassi.
Frase do próximo capítulo: “Pouco a pouco, galgou os degraus com a elegância de um fidalgo.”
6 comentários:
A menção a nossa honorável professora de economia foi de bom grado.
O que significa cessaciesiinspas....??
Ah, sou eu que estou postando, Michele...
Cara cidadã de Jundiaí: "Cessaciessionspasnasavás?" é o equivalente em mineirês da expressão "Você sabe se esse ônibus passa na Savassi?"
Strip adoleta? tem na wikipedia?
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