quarta-feira, 19 de setembro de 2007

00 - Big Bang



Pripyat, 26 de outubro de 1986

Vender o carro não foi difícil. Com a mochila e o dinheiro na mão, restava agora sentar e esperar o ônibus. A usina ficava quase perto da fronteira. O vento frio aumentava o tic da perna, que nem o cigarro controlava mais. Skavuska - pensou Vladmir - percebendo que já demorava mais que o planejado. Logo viria a onda de calor e aquela distância não era nada segura. A luz dos faróis já era visível no muro em frente ao predio principal. A liberdade vinha veloz, soltando uma fumaça preta e queimando óleo. Não era a fuga que ele esperava, mas tava valendo. Descompassado com o relógio de pulso e ofuscando as sombras projetadas no chão, um clarão. Forte como magnésio queimando aos montes. O estrondo não demorou. Uma porrada sem graça atravessou o pátio com a força de uma diarréia. Janelas e absorventes íntimos eram arremessados como balas. Cada um se protegia como dava, e a velha a fiar. Vez sim, vez não, luzes vermelhas piscavam, seguidas de sirenes que pareciam zombar da tragédia. Deitado, imóvel e com o rosto ardendo em brasa, Vladmir só pensava na manota que tinha dado. Até o Michael Jackson sabia que timers de bomba produzidos em Kiev não eram confiáveis. Era por isso que o governo importava todos das Ilhas Maurício. Ferido, mas vivo. Frustrado, mas vivo. Era nisso que ele se apegava naquele momento. Há de vir outra oportunidade.

Frase do próximo capítulo:
"A pimenta lhe ardia a hemorróida."

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